terça-feira, 6 de novembro de 2012

Abertura


Vamos recolher neste estudo a informação da história de Balasar que temos encontrado sobre os primeiros anos do séc. XX, aqueles que precederam e se seguiram ao nascimento da Beata Alexandrina.
Foram momentos particularmente vibrantes, recheados de acontecimentos que mobilizaram os balasarenses: basta lembrar que foi suspensa a famosa festa do Senhor da Cruz, que se demoliu a velha igreja e lá se construiu o cemitério, que se construiu a igreja paroquial, que a República substituiu a Monarquia, que houve depois a luta contra o míope republicanismo anticlerical dos democráticos…
Mas, entre todos estes acontecimentos, sobressai um que pouco brado poderia ter dado, o do nascimento duma menina que viria a ser uma das grandes figuras da Igreja e da humanidade, nascida ainda por cima fora do casamento.

As famílias dos pais da Beata Alexandrina

A família de Maria Ana da Costa

Maria Ana Costa foi a mãe da Beata Alexandrina e da Deolinda no início dos anos de 1900. Baptizou-a o P.e António Martins de Faria no dia 24 de Janeiro de 1877.

Aos 24 dias do mês de Janeiro do ano de 1877, nesta Igreja Paroquial de Santa Eulália de Balasar, concelho da Póvoa de Varzim, Diocese de Braga, baptizei solenemente um indivíduo do sexo feminino, a quem dei o nome de Maria e que nasceu nesta freguesia às cinco horas da manhã do dia 22 do mesmo mês e ano, filha legítima de José António da Costa, lavrador, natural desta mesma freguesia, e de Ana Joaquina Leitão, lavradora, natural da freguesia de Minhotães, concelho de Barcelos, desta mesma diocese, e na mesma recebidos, e paroquianos e moradores no lugar de Gresufes desta freguesia de Balasar, neta paterna de Manuel António da Costa e de Joaquina Maria de Freitas e materna de Francisco Manuel de Araújo e de Maria Joaquina Leitão. Foi padrinho Manuel António da Costa e madrinha Maria Joaquina Leitão, lavradores, os quais todos sei serem os próprios.
E para constar lavrei em duplicado este assento que, depois de ser lido e conferido perante os padrinhos, comigo o assinou o padrinho, não assinando a madrinha por não saber escrever.
Era ut supra.
O Padrinho – Manuel António da Costa
O Reitor – António Martins de Faria

Há uma fotografia talvez dos anos 50 onde se vê a D. Maria Ana da Costa com mais três irmãs junto da Beata Alexandrina. As duas que estão contra a janela, da direita para a esquerda, são a Deolinda, que casou para Santa Vaia de Rio Covo, madrinha da irmã da Alexandrina, também chamada Deolinda, e a Adelaide, que casou para Arcos (?). A que está sentada à esquerda é a Felismina, que casou para Grimancelos.
As restantes senhoras são a Deolinda, irmã da Alexandrina, e a D. Sãozinha.

Esta interpretação da fotografia foi-nos dada há quatro anos neste e-mail:
Começando pela fotografia, que muito agradeço... Segundo a minha tia Felismina, que vive em Chorente, e seguindo a ordem contrária ao movimento dos ponteiros do relógio, a primeira Senhora de cima é a Maria, mãe da beata Alexandrina (era a mais velha de todos os irmãos). Segue-se a Deolinda que casou para Santa Vaia de Rio Covo. Era Mãe do Dr Aparício  ainda vivo, e madrinha da irmã da Alexandrina, também chamada Deolinda. Depois vem a Adelaide, mãe do Gaspar Nogueira que ainda vive em Arcos. A seguir vem a minha Avó, Felismina Ana da Costa, que era a mais nova de todos os filhos. Ao centro está a Deolinda, irmã da Alexandrina com um ar um tanto quanto triste. Quanto à última Senhora, a minha tia Felismina não conseguiu identificá-la (é a Prof.ª Sãozinha)
Alguém nos diz agora que a identificação aqui feita não corresponde à realidade e que as duas senhoras que estão junto à janela são filhas do Tio Joaquim e que a jovem sentada à esquerda é a Felismina Martins. Esperamos um dia tirar isto a limpo.

Havia na família pelo menos dois homens, o Tio Joaquim e um outro que emigrou para o Brasil.



A família de António Gonçalves Xavier

Foi também o reitor António Martins de Faria que baptizou António Gonçalves Xavier, o pai da Alexandrina; ele pertencia a uma família de padeiros de Vila Pouca.

Aos 29 dias do mês de Abril do ano de 1875, nesta igreja paroquial de Santa Eulália de Balasar, concelho da Póvoa de Varzim, diocese de Braga, baptizei solenemente um indivíduo do sexo masculino, a quem dei o nome de António, e que nasceu nesta freguesia às dez horas da noite do dia 28 de mesmo mês e ano, filho legítimo de José Joaquim Gonçalves Xavier e de Ana Maria de Sousa, padeiros, naturais desta mesma freguesia e nela recebidos, paroquianos e moradores no lugar de Vila Pouca, neto paterno de Joaquim Gonçalves Xavier e de Ana Maria da Silva e materno de António Fernandes Campos e Maria Serge. Foi padrinho António da Costa Reis e madrinha Maria Sousa, casados, lavradores, os quais todos sei serem os próprios. E para constar lavrei em duplicado este assento que, depois de ser lido e conferido perante os padrinhos, comigo o assinou o padrinho. E não assinou a madrinha por não saber escrever. Era ut supra.
O Padrinho – António da Costa Reis
O Reitor – António Martins de Faria

Deolinda escreve sobre o pai

Era um aventureiro: foi várias vezes ao Brasil. A minha mãe tinha ido às Termas do Gerês a curar-se e foi lá que o conheceu. Quando a aminha mãe verificou que estava grávida (de Deolinda), ele já tinha voltado para o Brasil. Escreveu-lhe a dar a notícia e ele respondeu dizendo: - Quando viltar, casamos… E escolheu ele mesmo os meus padrinhos (de baptismo).
Voltou do Brasil quando eu tinha já os meus dois anos e começou novamente a andar atrás da minha mãe. Mas como a família (dele) se opunha, ela disse-lhe claramente que naquelas condições não o podia receber… Então ele apresentou-se à minha avó e ao meu tio Joaquim e combinou o casamento: já estavam a procurar casa quando ele teve de ir à Póvoa para se curar duma doença contraída ano Brasil…
Um dia em que a minha mãe tinha ido a Vila do Conde a vender hortaliça, na viagem de regresso passou pela Póvoa onde tinha combinado um encontro com ele para o informar de estava novamente grávida (nascerá a Alexandrina). Mas da casa donde ele tinha saído saiu também uma mulher que lhe disse: Xavier, as minhas tesouras não estarão no teu quarto?
A minha mãe teve assim a confirmação das vozes que já circulavam. Xavier protestou que era tagarelice. Mas de facto dentro de pouco tempo casou com aquela mulher da Póvoa.
A minha mãe chorou lágrimas amargas e desde então, por toda a vida, vestiu-se sempre como viúva e dedicou-se exclusivamente à educação das duas filhas…[1]

Maria Ana da Costa conhecia com certeza António Xavier desde a infância, pois Vila Pouca e Gresufes são pegados e as casas dos pais dos dois não distavam mais de 300 metros. O que fizeram nas termas foi sem dúvida estreitar uma relação que antes era só de vizinhança.
O pai da Alexandrina casou em 15 de Janeiro de 1904, na Póvoa de Varzim, com Elvira Alzira de Oliveira e faleceu em 6 de Outubro de 1944, com 59 anos.

O pai de António Gonçalves Xavier

O avô paterno da Alexandrina assinava José Gonçalves Xavier (e não José Joaquim Gonçalves Xavier, como se encontra no assento de baptismo do filho), era padeiro e nasceu em 1838; faleceu em 1905, em 19 de Julho, com 67 anos. Fez testamento em 11 do mesmo mês e ano. Nesse documento encontram-se algumas informações que merecem ser registadas.

Disse mais ele testador que é legitimamente casado Ana Maria de Sousa e deste seu matrimónio existem os filhos e netos seguintes: Joaquim, casado, António, casado, e Olívia, solteira, de maior idade, e os netos Laura e Olívia, menores, únicos filhos de seus falecidos filho e nora, Fernando e mulher Joaquina, moradores que foram nesta freguesia, aos quais seus únicos filhos e netos nomeia e institui por seus únicos herdeiros (…)

O António de facto, no ano anterior, cometera a cobardia de casar com uma poveira deixando na sua terra duas meninas sem pai e uma jovem mãe sem marido.
As meninas de D. Maria Ana, ali de tão perto, não foram reconhecidas como netas pelo avô… cujo nome Xavier ocorre nas listas de leitores.

Imagens de cima para baixo:

  1. Irmãs de D. Maria Ana e outras senhoras;
  2. Lápide funerária da D. Ana e da Deolinda;
  3. Assento de Baptismo do pai da Beata Alexandrina;
  4. Primeira página do testamento do avô paterno da mesma.



[1] Costa, Alexandrina Maria, Figlia del Dolre Madre di Amore, tradução e notas do Sasal Signorile, Mimep-Docete,   pág. 37.

O nascimento da Beata Alexandrina


Nascida na aldeia mais recôndita da freguesia, filha natural, rejeitada pelo pai e pelos avós paternos, dum ponto de vista apenas humano, o nome da Alexandrina foi ouvido pelo país inteiro e galgou fronteiras, mesmo muito distantes. Do ponto de vista da fé, ela é com certeza a maior figura de toda a história de Portugal e poucas no mundo se lhe equipararão.
O livro dos assentos paroquiais onde vem o seu assento de baptismo guarda-se na Conservatória do Registo Civil da Póvoa de Varzim, onde obtivemos dele uma fotocópia de fraca qualidade. Exprime-se assim:
 Aos dois dias do mês de Abril do ano de mil novecentos e quatro, nesta igreja paroquial de Santa Eulália de Balasar, concelho da Póvoa de Varzim, Arquidiocese de braga, baptizei solenemente um indivíduo do sexo feminino, a quem dei o nome de Alexandrina, e que nasceu nesta freguesia, no lugar de Gresufes, às seis horas do dia, de tarde, do dia trinta do mês de Março do referido ano, filha natural de Maria Ana da Costa, lavradeira, paroquiana moradora desta freguesia no referido lugar de Gresufes, neta materna de José António da Costa e de Ana Joaquina Leitão. Foi padrinho Joaquim António da Costa, casado, lavrador, e madrinha Dona Alexandrina Rosa de Campos, viúva, empregada no serviço doméstico, as quais todas sei serem os próprios.
E para constar lavrei em duplicado este assento que, depois de lido perante os padrinhos, comigo assinou o padrinho e não assinou a madrinha por não saber escrever.
Era ut supra.
O Padrinho, Joaquim António da Costa
O Abade, Manuel Fernandes de Sousa Campos.
  
Nascida num dia frio do final de Março, a mãe deu-a à luz, sobre um colchão, junto à lareira da cozinha da casa de seus pais. Era “quarta-feira de trevas”, a quarta-feira da Semana Santa, mas foi baptizada em Sábado de Aleluia.
O baptismo ainda teve lugar na antiga igreja do Matinho, só demolida em 1907.
 A atitude do pai das filhas de D. Maria Ana deve ser comparada com a de um jovem balasarense que, anos antes, engravidara duas conterrâneas e fez testamento aos filhos antes de embarcar para o Brasil (ver à frente).

Imagens de cima para baixo:
  • Registo de Baptismo da Beata Alexandrina;
  • Lareira da Casa de Gresufes frente à qual ela nasceu;
  • Fachada poente da mesma casa antes de cair em ruína e ser reconstruída e irremediavelmente desfigurada.

O ex-regedor morto à paulada


O P.e Leopoldino recorda este lamentável e determinante episódio ocorrido no ano anterior ao nascimento da Beata Alexandrina:

No ano de 1903, a desordem (na festa do Senhor da Cruz) foi tão prolongada que, ao romper da aurora, estando o capelão da Confraria a celebrar a missa, na capela, pediu o mesmo, que era o Rev.do Dr. Baltasar João Furtado (Azenha)[1], de Gondifelos, ao ex-regedor Joaquim da Costa Oliveira, homem velho e sensato, para ir ao terreiro acabar com o barulho. Este, porém, em tão má hora o fez que foi morto com uma paulada na cabeça.

Joaquim da Costa Oliveira era um jornaleiro do Casal e tinha 63 anos.
O julgamento do seu assassínio fez correr muita tinta na imprensa poveira.
Estrela Povoense foi o que mais espaço lhe dedicou. Da primeira vez, em 15 de Maio de 1904, foi quase uma página completa, em letra miudinha, sob o título: “Audiências Gerais, Julgamento importante, o Caso de Balasar”. Regista as conversas trocadas em duas sessões do julgamento entre o juiz e os advogados, por um lado, e as testemunhas, por outro. Na edição de 22, faz-se o mesmo para a sessão de conclusão. É quase meia página com o título de “Ainda o Caso de Balasar”.
O julgamento pareceu uma completa farsa: as testemunhas, que antes acusavam o réu - Florentino Ferreira de Macedo Faria Gajo, de Gueral, de 22 anos -, em tribunal, ilibaram-no. O juiz bem tentou mostrar-lhes a incongruência em que se envolviam, mas elas, que aparentemente tinham sido bem preparadas, mantiveram-se firmes. E o réu foi absolvido.
“E assim terminou essa tragédia em que se vê morrer assassinado um homem em pleno dia, cercado de centenas de pessoas, sem que alguém pudesse descobrir o assassino!”, lamenta o jornal. E mais adiante: “Infelizmente parece que uma freguesia inteira era cúmplice nessa morte, tais foram os meios que se empregaram para escurecer a verdade”.
O Liberal, no dia 15 de Maio, também dedicou mais de meia página ao caso, intitulando-a “Julgamento importante (o crime de Balasar)”, mostrando-se mais favorável ao réu. No dia 29, insurgiu-se contra o Estrela Povoense: se levantava suspeitas sobre o comportamento das testemunhas, devia prová-las. O Estrela lembrou então o que se tinha passado noutros julgamentos em que o réu era pobre e foi condenado.
O Comércio da Póvoa de Varzim dedicou  este julgamento, de uma vez só, quase uma página com o título de "Crime de Balasar".
A injustiça era muito evidente. Por trás das duas atitudes opostas do Estrela e do Liberal face ao julgamento deviam estar interesses políticos, eleiçoeiros, e também económicos.
No decorrer do julgamento é assinalada, pela sua respeitabilidade, uma testemunha de defesa do réu de nome Manuel Gonçalves Xavier, de Vila Pouca. Era um lavrador de Vila Pouca, de 59 anos, e devia ser irmão do avô da Beata Alexandrina.

Merecer ser aqui recordada uma notícia de Manuel Cândido dos Santos, datada de 4 de Junho de 1919 e saída n’O Comércio da Póvoa de Varzim:

Festividade – Realiza-se nesta freguesia, nos próximos dias 16 e 19, a grande festa em honra do Senhor da Cruz, que há 15 anos não se realiza (sic). É de esperar muita concorrência atendendo à fama que alcançou noutro tempo. Abrilhantará (sic) esta festa as afamadas bandas de música da Póvoa de Varzim e de Vizela.
Programa: Dia 18, ao meio dia, darão entrada no terreiro as duas bandas de música. À noite terão lugar o importante arraial de fogo preso e do ar e deslumbrante iluminação. Dia 19, às 10 horas, missa cantada e sermão por um distinto orador. Às 16 horas, sairá a majestosa procissão com andores, anjinhos, coros de anjos, etc.

A informação contida no primeiro parágrafo é que nos interessa: desde 1903 a 1919, não houve festa: o pároco cortou pela raiz um mal que vinha de longe e não era só de incidência local: era vulgar as romarias terminarem em zaragata.

Na imagem, fragmento da página do Estrela Povoense que trata o julgamento da morte do ex-regedor de Balasar.



[1] Este sacerdote era bacharel em Teologia.

A morte de Manuel da Costa Boucinha, político progressista e presidente da Junta de Paróquia


Segundo o P.e Leopldino, no termo do lugar de Gresufes, na Casa dos Boucinhas, “nasceu, viveu e veio a falecer, no dia 1 de Janeiro de 1903, o homem de maior prestígio e valor político que jamais se criou na freguesia – Manuel da Costa Boucinha.
Este homem era tudo para todos: só viveu fazendo o bem, favorecendo os seus amigos, confundindo os rivais políticos, conseguindo a quase unanimidade dos eleitores.
Fora filiado no partido progressista no tempo em que foram chefes o Rev.do Francisco Leite de Morais e o Dr. António Silveira, que lhe tributavam o maior respeito e consideração.
Faleceu com 49 anos e a sua morte prematura e inesperada cobriu de luto o povo da freguesia e comoveu os seus amigos políticos da Póvoa de Varzim que, viajando em comboio especial, em grande número se incorporaram no seu funeral, acompanhado a música, e encheram a antiga igreja paroquial, demolida em 1904, toda coberta de luto, discursando junto da sepultura os Srs. Dr. António Silveira e o Rev.do Manuel Ribeiro de Castro, abade de Nabais, que, com as suas palavras sentidas, eloquentes, fizeram chorar os numerosos assistentes da freguesia e de fora.
Manuel Boucinhas foi um político de tal valor que, até hoje, ainda nenhum dos seus conterrâneos, e alguns de muito préstimo, o atingiu”.
O número d’O Liberal saído a seguir à morte de Manuel Boucinha confirma os encómios do P.e Leopoldino. Depois de afirmar que o falecido “era a mais alta e mais pura personificação da amizade e do civismo”, continua:

Possuidor duma avultada fortuna, sem pretensões de qualidade alguma para si ou para os seus, no entanto trabalhava sempre e incansavelmente por engrossar as fileiras do partido em que militava, não se poupando aos maiores sacrifícios nem aos mais amargos desgostos. E fê-los como poucos e teve-os como ninguém.
Apesar da linha incorruptível do seu procedimento não dar ensejo a ódios ou vinganças, contudo adversários havia que, ciosos do seu imenso predomínio e da sua larga respeitabilidade, se esforçavam por empecer-lhe as mais justas tentativas e os mais sagrados empreendimentos. O que, porém, ninguém ousou jamais denegrir-lhe foi a sua inconcussa limpidez de carácter e a sua inexaurível fonte de bondade.
Era um bom e um justo, quase um santo; porque, embora conhecedor dos obstáculos que pretendiam levantar-lhe e dos esforços empregados para cercear-lhe o seu extraordinário valor político, nunca pretendeu, mas antes corajosamente se opunha a que a revindicta se arvorasse em arma contra os seus adversários.

Manuel da Costa Boucinha presidiu apenas dois anos à da Junta de Paróquia – 1893-1895; segundo  O Liberal, prestou à freguesia “os maiores e mais cativantes favores e serviços”.

Ao tempo de Manuel Boucinha, Gresufes, onde haveria várias famílias numerosas e algumas abastadas, produziu figuras de vulto:
Das principais casas, havia ou tinha havido sacerdotes: José António da Costa Reis, da Casa da Torre; Joaquim da Costa Machado, da Casa dos Machados; Miguel Fernandes de Sousa Campos, da Casa da Tinta…
Da casa da Torre havia de sair um ilustre advogado poveiro, o Dr. Joaquim Torres da Costa Reis. Na Casa Machado, nasceria Joaquim António Machado, que iria ter uma intervenção política activa na freguesia.
Na Casa da Tinta teria vivido o famoso Cirurgião da Bicha.

Imagens a partir de cima:
  • Casa que foi de Manuel Boucinhas, em Gresufes;
  • Projecto viário Balasar do tempo de Manuel Boucinha;
  • Os dois políticos que discursaram no funeral do mesmo.


A questão da fonte de Gresufes

Numa freguesia tão grande como Balasar, haveriam de surgir inevitavelmente polémicas com contornos políticos. É o que se parece ter passado no caso da Fonte de Gresufes, que acabou decidido no Supremo Tribunal Administrativo. Que dispêndio de dinheiro e energias!
Em 8 de Dezembro de 1906 o Estrela Povoense dava conta dele nestes termos:


A questão da Junta Paróquia de Balasar

Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 5 do corrente mês, acaba de ser denegado provimento ao recurso interposto pela Junta de Paróquia de Balasar e de ser confirmada a veneranda sentença do digno Auditor deste distrito, que havia julgado improcedente a reclamação deduzida por aquela Junta contra a Câmara Municipal deste concelho e contra José Fernandes Carvalho e mulher, donos do prédio onde existe a fonte municipal em questão.
Estes proprietários, durante a gerência da anterior vereação, entregaram à Câmara um donativo para esta mudar essa fonte do interior da bouça para a borda do caminho público e introduzir nela os melhoramentos que a higiene aconselhava e as comodidades do público exigiam; a Câmara, considerando, como sempre considerou, essa fontes como municipal e reconhecendo a grande utilidade que ao público advinha da mudança e melhoramentos propostos pelos donos do prédio, aceitou o donativo, organizou o respectivo projecto e orçamento da obra, submeteu-o à aprovação superior e, depois de competentemente autorizada, por meio de escritura pública, celebrou com aqueles proprietários o contracto bilateral da mudança da mesma fonte, assegurando-lhes a permanência desta e dos melhoramentos nela introduzidos pela Câmara e por eles custeados.
A Junta do Paróquia, que nunca custeara ou fizera a menor obra nessa fonte nem aí exercera qualquer acto de administração, só depois desses melhoramentos é que se lembra de invocar infundadamente o carácter paroquial da mesma fonte e sob este falso pretexto reclamar perante o contencioso administrativo a nulidade da deliberação tomada pela Câmara e do contracto por esta outorgado, no intuito de destruir os melhoramentos efectuados e de reduzir a fonte à sua antiga cisterna, só para prejudicar os donos da bouça que tinham custeado tão importante melhoramento.
A Junta, que nunca teve recursos para melhorar a fonte, teve-os só mais tarde para vir a juízo com uma reclamação infundada e caprichosa, e tão infundada e caprichosa que aguardou o momento em que a Câmara mudasse de vereação para que esta, chamada à reclamação, pudesse secundar-lhe os seus pretendidos e supostos direitos.
A actual vereação que, por todos os motivos, devera ser solidária com a anterior e que nunca devia nem podia contravir um contrato bilateral outorgado por aquela e sobretudo altamente benéfico para o município, prestou-se a confessar a reclamação deduzida pela Junta e a concorrer para a pretendida anulação do contrato, só para satisfazer os caprichos da Junta e vexar os proprietários que haviam custeado as obras da mudança da fonte. Pois nem assim, nem com a confissão e coadjuvação da Câmara, a Junta de Paróquia conseguiu revogar a deliberação e anular a escritura, tão injusta e tão louca era a sua pretensão.
Triunfou mais uma vez a justiça, e mais uma vez a Junta de Paróquia de Balasar se terá de convencer, como deve, de que os tribunais não foram instituídos para satisfazer os caprichos das partes, e mais uma vez deverá ficar sabendo que o dinheiro de seus Paroquianos não deve ser despendido em questões fúteis, injustas e caprichosas.
Felicitamos, pois, o nosso amigo José Fernandes de Carvalho e mulher, pelo bom êxito desta causa.

As actas camarárias fazem eco desta questão – ao tempo em que era vereador Manuel Joaquim de Almeida.

Manuel Joaquim da Almeida, vereador progressista e presidente da Junta


O Vereador

Manuel Joaquim de Almeida foi vereador da Câmara poveira no triénio de 1905, 1906 e 1907 e tinha a seu cargo as obras das freguesias de Balasar, Rates e Laundos(1). Voltou depois às mesmas funções em 24 de Fevereiro de 1908, mantendo-se até final do ano.
O exercício deste cargo por Manuel Joaquim de Almeida terá sido muito proveitoso para a sua terra: “E na edição de 19 de Maio do mesmo ano [de 1907, a Estrela Povoense] afirma que na Póvoa não se vêem obras de algum valor, nas aldeias mormente em Balasar e Navais e no seu lugar de Aguçadoura gastam-se rios de dinheiro em alguns melhoramentos de muito duvidoso interesse”(2).
O que se gastava em Balasar naturalmente era sobretudo por empenho de Manuel Joaquim de Almeida.
O P.e Leopoldino informa que a velha ponte de D. Benta “foi substituída pela actual, mandada construir em 1906 pela Câmara progressista da presidência do prestigioso povoense Dr. António Silveira, sendo vereador Manuel Joaquim de Almeida, abastado proprietário desta freguesia, onde faleceu com 54 anos, no dia 3 de Janeiro de 1918”.
Algumas palavras sobre esta ponte e as suas reconstruções:
As Memórias Paroquiais de 1758, quando estava ainda vivo Manuel Nunes Rodrigues, informaram que Balasar tinha “duas pontes de pau, uma no lugar da Igreja, outra no lugar do Casal(3).
A “do lugar da Igreja” corresponderia à que D. Benta reconstruiu, que ficava próxima da igreja do Matinho… Ruíra muito antes da reconstrução de 1906. Em 1831, já o visitador deixou escrito(4):

Ordenei ao Juiz da Freguesia participasse ao Ill.mo Senado da Câmara o estado em que se acha a ponte de D. Benta, pois que depois da sua ruína estão sofrendo grande inconveniente os povos que ficam dos lugares de além e no tempo de inverno em que não podem vir à Igreja nem também serem assistidos e sacramentados nas suas doenças.

O Juiz da Freguesia devia ser o juiz de Sob Sino e a Câmara era a de Barcelos.
No Arquivo Municipal há dois projectos para a ponte de D. Benta, um de 1893 e outro de 1925… Em 1905, uma acta da Câmara afirma explicitamente que esta ponte ainda continuava de madeira.
A ponte construída em 1906 integrava-se já no plano modernizador da rede viária. Numa acta camarária, de 29 de Janeiro desse ano, assinada também por Manuel Joaquim de Almeida, lê-se:

Estrada de Balasar - Foi presente e devidamente aprovado o projecto de prolongamento da avenida da ponte sobre o rio d’Este da estrada municipal do Cubo - Estrada Real número 31 – ao extremo do concelho, no lanço de Santa Cruz ao lugar de Gresufes da freguesia de Balasar, a fim de para os devidos efeitos ser submetido à sanção da Excelentíssima Comissão tutelar.

Uma obra como a da ponte implicou naturalmente a intervenção da Junta e talvez já estivesse a ser tratada ao tempo de Manuel Boucinhas. A presença na Câmara do vereador balasarense há-de ter sido também da maior utilidade para despachar as burocracias ligadas à construção da Igreja Paroquial, embora as actas camarárias não guardem disso memória(5).

Regedor

Manuel Joaquim de Almeida foi também regedor. Em Fevereiro de 1910, quando a Igreja Paroquial já estava pronta mas ainda tinha chegado a República, foi nomeado regedor interino.
Mais significativo é que viesse a ser regedor efectivo em finais de Outubro, já na República. Nesta data, tinha como regedor substituto José Fernandes Campos de Sousa(6).
Sem dúvida por causa da sua militância política recente como vereador e mesmo como regedor, assinou o auto de Proclamação da República que teve lugar na Póvoa de Varzim em 7 de Outubro de 1910.

Presidente da Junta

Em finais de 1913, Manuel Joaquim de Almeida formou uma junta republicana de independentes que derrotou os democráticos. Estes hão-de ter-lhe feito a vida difícil, mas ele levou por diante a obra do cemitério, que datou de 1915 no portão.
A eleição de Manuel Joaquim de Almeida para a Junta deu azo a que Manuel Cândido dos Santos se lançasse no jornalismo. Pelo menos não lhe conhecemos colaboração mais antiga. N’O Intransigente de 21 de Dezembro de 1913, escreveu assim:

Num dos amplos salões do sumptuoso templo, situado no pitoresco lugar do Senhor da Cruz desta linda freguesia de Balasar banhada pelo rio Este realizou-se a eleição da Junta à hora regulamentar, presidindo o ilustre cidadão João de Matos Monteiro.
Com subido critério, Sua Ex.cia desempenhou com a maior imparcialidade e rectidão o seu espinhoso cargo, deixando bem gravado no coração de todos os
eleitores independentes. O cidadão Almeida propôs então, para secretário, António Alves de Sousa e, para escrutinador, Joaquim Alves de Sousa. […]
O resultado da eleição não podia ser melhor, pois que correu sem mais algum conflito, ficando vencedora a lista independente com uma maioria de 30 votos, isto é, a lista independentes, 65 votos, todos os candidatos, e a democrática, 35, dois dos candidatos e os restantes 33 votos, entrando neste número a lista do presidente desta assembleia.

Joaquim Alves de Sousa era o professor primário.
O Lino Ferreira é escolhido para secretário dos democráticos, o que significa que também lhe eram reconhecidas algumas qualidades de escrita. De facto, ele terá sido algumas vezes correspondente da sua freguesia.
A obra mais saliente da Junta presidida por Manuel Joaquim de Almeida foi sem dúvida a conclusão do cemitério. Porventura por razões de doença, deixou a Junta em finais de 1917 e faleceu no ano seguinte.
Aparentemente, a data que mandou gravar ao cimo dos pilares do portão principal do cemitério, 29-12-1914, indica que havia um ano que a Junta a que presidia fora eleita.
Este balasarense não terá primado pela lisura em vários negócios. O próprio terreno em que construiu a casa, ali no centro de Balasar, seria pertença da Confraria do Senhor da Cruz.
O ex-vereador quis que ela possuísse uma fachada vistosa, colocando as suas iniciais no aparatoso escudete e ainda, mas só M.A., naquela espécie de cartela, por cima do portal, onde também registou a data. De reparar ainda no original remate superior das almofadas do mesmo portal.


A freguesia tem uma grande dívida para com este balasarense adoptivo. O seu nome está ligado às obras mais emblemáticas: a ponte de D. Benta, a Igreja Paroquial e o Cemitério. E deu ainda grande contributo para melhora a rede viária. Quem pode orgulhar-se de coisa semelhante?
E há ainda a derrota dos democráticos.
Cândido dos Santos, em 5 de Abril de 1914, emitiu sobre Manuel Joaquim de Almeida a opinião de que “esta freguesia [lhe] deve inumeráveis serviços, pois que, se não fosse este cidadão, Balasar seria uma das mais reles freguesias do concelho”. Nenhum outro político da freguesia o igualou.

Imagens de cima para baixo:
Fragmento superior da primeira página d’O Liberal de 6 de Janeiro de 1905 a anunciar a entrada em funções da vereação progressista a que pertenceu Manuel Joaquim de Almeida.
Imponente portão do Cemitério Paroquial de Balasar, do tempo em que presidiu à Junta de Paróquia Manuel Joaquim de Almeida.
Ao fundo do imponente portão do Cemitério vê-se a data de 1915.
Fotografia do cemitério com a capela tumular da Beata Alexandrina: deve remontar a cerca de 1995. Ainda não tinha chegado a invasão do mármore.
No escudete, que é posterior à cartela e já republicano, Manuel Joaquim de Almeida colocou as três iniciais do nome: MJA.
Cartela com a data na casa de Manuel Joaquim de Almeida.
As mais belas cartelas com a data que vimos em Balasar são temporalmente próximas da de Manuel Joaquim de Almeida. É o caso desta, no Matinho, a mais artística de todas.
Com as obras da Ponte de D. Benta, da Igreja Paroquial, do Cemitério, ele deve ter promovido um fôlego artístico novo na freguesia.




[1] Este autarca não era balasarense de nascimento.
[2] SOUTO, Manuel Fernando Faria Souto, “O Abade de Nabais e Rocha Peixoto”, Boletim Cultural Póvoa de Varzim, vol. 44, 2010, página 138.
[3] Ainda há pessoas vivas que recordam o tempo em que a ponte da Traquinada era de madeira.
[4] Franklin Neiva Soares, “Subsídios para a história de Santa Eulália de Balasar”, nota 55 da página 80, do Boletim Cultural Póvoa de Varzim, vol. XV, nº 1, 1976.
[5] Alguém chegou a afirmar que Manuel Joaquim de Almeida foi o “principal impulsor” da construção da Igreja Paroquial.
[6] Cremos que se trata do irmão do pároco e tesoureiro das obras da igreja; veio a ser presidente da Junta entre 1923 e 1925. Pelo casamento que fez com uma Pratinha, tornou-se o homem mais abastado de Balasar. Em 1926, construiu um imponente jazigo.

A nova Igreja


Ao contrário de outras paróquias cuja igreja, ao longo dos séculos, com modificações e acrescentos, sempre se ergueu no mesmo lugar, a de Balasar é já o quarto templo construído de raiz e em localização diferente. A primeira foi a do Lousadelo, a segunda a do Casal, a terceira a do Matinho, a quarta a actual; e houve ainda a de Gresufes.
Durante o século XIX, muitas igrejas paroquiais foram restauradas e ampliadas, outras construídas de novo. Desde a mais distante, a de Touguinhó (que data de 1842), já fora edificada a grande igreja de Beiriz (1872), estava ser finalizada a de Amorim (de linhas inovadoras e paga por quatro irmãos brasileiros da freguesia - 1908) e estavam a decorrer as obras da Misericórdia da Póvoa bem como a primeira fase das da Basílica do Sagrado Coração de Jesus.

A Igreja do Matinho

Registem-se algumas informações sobre a igreja anterior, a da Matinho.
A decisão de a edificar há-de ter sido muito custosa. O documento da anexação, de 1422, não exigia isso: “mandamos aos fregueses da dita igreja de Gressuffe que vão receber os eclesiásticos sacramentos na dita igreja de Balssar e ouvir missas e que o abade que ora é e for ao diante da dita igreja de Balssar vá, dia do orago da igreja de Gressuffe, dizer missa à dita igreja, lançando a água benta sobre os finados e dizendo o responso costumado sobre eles”.
A subordinação dos interesses de Gresufes aos de Balasar terá originado a sua posterior anexação a Gondifelos. A localização da igreja do Matinho responderá possivelmente a reivindicações de Gresufes, exigindo que ficasse a meio caminho entre ela e o Casal, distribuindo de modo justo os incómodos da anexação. Quem também saía prejudicado eram os moradores do norte do rio, porque igualmente lhes ficava mais longe e não havia ponte nas proximidades.
O facto de o lugar ser em parte propriedade paroquial foi certamente também determinante para a localização da nova igreja. Embora não seja inteiramente claro, parece que ao tempo do Tombo de 1542, ela já ficava no Matinho.
A igreja de Gresufes não foi demolida.
Pelo Tombo da Comenda de Balasar, sabemos que a Igreja do Matinho possuía “um torreão de duas empenas e duas sineiras” (1).
Sobre ela, deram também notícias as Memórias Paroquiais, os assentos paroquiais e o inquérito de 1845.
O P.e Domingos da Soledade Silos, em 1845, registou que a igreja não ameaçava ruína, excepto o trono. Mas não era assim em 1907, como consta duma acta da Junta de Paróquia; então fala-se do “estado de ruína” em que ela se encontra e diz-se que as “suas paredes estão desequilibradas e as suas madeiras podres”.
Em 1911, quando a nova igreja já estava ao serviço, procedeu-se à ampliação do cemitério. A planta que então se elaborou fornece algumas informações interessantes, pois localiza com precisão a antiga igreja, que ficava a norte, frente ao portão de origem, e a residência paroquial, que estava a sul.

O que o P.e Leopoldino escreveu

Voltando ao tema da Igreja nova, ouçamos o que sobre ela escreveu o P.e Leopoldino Mateus:

Com o andar dos tempos, a população aumentou muito e, julgando-se insuficiente a igreja paroquial para conter no devido respeito e devoção os fiéis, constituiu-se uma comissão de bons paroquianos para escolher novo terreno onde pudesse ser erigido um templo amplo, majestoso e digno de ser a Casa de Deus.
Escolhido o lugar da Cruz, foi demolida a capela do Senhor da Cruz e erecta essa majestosa igreja que ainda hoje é uma das melhores das aldeias desta circunscrição e que, concluída em 1907, custou a obra de pedreiro, carpinteiro e estucador 12 contos.
Mais tarde procedeu-se ao douramento dos altares que importou em 21 contos e há poucos anos foi adquirido o carrilhão dos sinos (6), pagando-se 80 contos ao sineiro Jerónimo Serafim, de Braga, que os fundiu e afinou por música.
Hoje, a igreja de Santa Eulália de Balasar, do concelho da Póvoa de Varzim, arciprestado de Vila do Conde - Póvoa de Varzim, Arquidiocese de Braga, é imensamente visitada pelos forasteiros que admiram a elegância do templo, a linda ornamentação dos altares confiados ao cuidado de devotas zeladoras e sobretudo o espírito de sacrifício deste povo laborioso e crente que, não sendo rico, conserva a sua igreja num asseio e limpeza muito para louvar e imitar.

Observe-se que é errada a data de 1907 para a conclusão das obras, pois é apenas a do seu início.
A vontade de construir em Balasar uma nova igreja já vinha desde há pelo menos uma década.

A comissão

Ao contrário do que aconteceu em Beiriz, da construção da Igreja de Balasar chegou até à actualidade pouca informação. Sobre a comissão encarregada da construção da obra, o P.e Leopoldino só indica o tesoureiro, o abastado irmão do pároco, José Fernandes de Sousa Campos. Mas há um nome que merecia ser registado, o do então vereador municipal Manuel Joaquim de Almeida, natural de Gondifelos, mas casado para Balasar. A freguesia deve-lhe muito e também ajudou muito nas obras da igreja. Ter-se-ão proposto três localizações para a igreja e a até escolhida terá sido a que ele sugeriu.
Na edição de 19 de Maio de 1907, a Estrela Povoense informa que “na Póvoa não se vêem obras de algum valor, nas aldeias mormente em Balasar e Navais e no seu lugar de Aguçadoura, gastam-se rios de dinheiro em alguns melhoramentos de muito duvidoso interesse” (2). Manuel Joaquim de Almeida é que geria as verbas camarárias que se gastavam em Balasar.
E num artigo de jornal, de muito mais tarde e que copiámos à frente, o seu autor vai escrever:

Ao passar na Igreja Paroquial, que me traz sempre à memória o nome de Manuel Joaquim de Almeida, seu principal impulsor, assim como de outros melhoramentos locais, ouvi o toque de uma orquestra.

O seu contributo deve ter sido o mais valioso (3).


A construção da igreja

Em 23 de Dezembro de 1906, o jornal poveiro Estrela Povoense traz esta notícia sobre a “Igreja Paroquial de Balasar”, bem semelhante a uma outra saída n’O Comércio da Póvoa de Varzim no dia 27:

A freguesia de Balasar, deste concelho, vai possuir um novo templo paroquial, cujas obras vão ser postas a concurso.
Quem desejar concorrer deverá examinar o projecto na secretaria do arquitecto da Câmara Municipal, onde ele está exposto todos os dias úteis, desde as 10 horas da manhã até às 3 horas da tarde.
As propostas devem ser enviadas, em carta fechada, à residência paroquial daquela freguesia, até ao próximo dia 30 do corrente ao meio-dia.

Numa acta de 24 de Fevereiro de 1907, lê-se uma exposição feita à Junta de Paróquia pelo pároco, o abade Manuel Fernandes de Sousa Campos, que merece ser transcrita:

Tendo uma comissão, composta de alguns moradores desta freguesia, como à Junta não é estranho, tomado a seu cargo, por meio duma subscrição, a construção da nova igreja paroquial desta mesma freguesia, por essa construção não poder realizar-se por conta desta Junta de Paróquia, visto serem insignificantes os seus rendimentos e essa nova igreja tornar-se absoluta necessidade pelo estado de ruína em que se acha a actual, que não pode continuar a funcionar porque as suas paredes estão desequilibradas e as suas madeiras podres, como já foi verificado por peritos competentes, cumpria à Junta auxiliar essa iniciativa, prestando a essa comissão todo o seu apoio e valimento, dentro das atribuições legais, pois que de um tal melhoramento provinha um salutar benefício para a freguesia. Portanto, ocorria à Junta o dever de não só ceder da antiga igreja o seu material, altares e mais aprestos, como realizar definitivamente o acordo feito em 20 de Junho de 1897 com a comissão do Senhor da Cruz, desta freguesia, a fim de ser aproveitada a sua capela e terreno anexo na construção da nova igreja, por se tornar esse local o mais apropriado para essa edificação.

Os membros da mesa da Confraria do Senhor da Cruz estavam presentes e fecharam o acordo mencionado, abrindo assim as portas à construção da nova igreja. Este acordo será ainda corroborado na sessão de 28 de Abril.
A Junta de Paróquia só deu a aprovação à planta em 24 de Novembro de 1907, como consta da acta desse dia, mas as obras começaram antes. Sabemos isso por uma nota d’O Comércio da Póvoa de Varzim, de 19 de Setembro de 1907, onde se escreveu:

Foi arrematada a nova igreja paroquial de Balasar pelo Sr. António Ferreira Dias, de Mijães (Mujães?), Viana, pela quantia de 5.845$000 réis, recebendo os materiais do velho templo e da capela da Santa Cruz.
As obras principiaram em meados do mês passado.

Iniciaram-se então as obras depois de meados de Agosto de 1907. Sem planta aprovada, talvez se começasse a arrecadar o que merecia ser guardado da igreja do Matinho e da capela da Santa Cruz, antes de proceder às suas demolições. E era preciso depois terraplanar a área em que se ia construir, que era em acentuado declive. O que fica claro é que a data de 1907 é a do início da sua construção, que foi rápida.
De facto, noutro jornal poveiro, O Liberal, de 7 de Novembro de 1909, saiu esta breve informação:

Conquanto ainda não estejam concluídas as obras da nova igreja da freguesia de Balasar, deste concelho, sabemos que elas estão muito adiantadas, principiando já há semanas a celebrar-se  missa.
Ainda não tivemos ocasião de ver o novo templo para podermos falar acerca dele, mas logo que isso nos seja possível diremos das nossas impressões.
No entanto, as informações que temos são de que a construção da igreja satisfaz por completo e que o lugar em que foi construída é um dos melhores da freguesia.

Infelizmente não se encontra naquele semanário o cumprimento da promessa de que voltaria a falar da nova igreja.
As actas da Junta de Paróquia não dão conta do andamento da construção, mas registam que a 23 de Janeiro de 1910 a igreja “já está concluída e aberta aos actos de culto”.
Em síntese, as obras tiveram princípio ainda em 1907 e prolongaram-se pelos anos de 1908 e 1909. Como os preparativos se tinham iniciado uns dez anos antes, faz sentido que tivessem sido rápidas.
Desconhecem-se os nomes do arquitecto, do entalhador (4) e do pintor do painel do Bom Pastor. O empreiteiro, o Sr. António Ferreira Dias, segundo o P.e Leopoldino, foi o mesmo da Igreja da Misericórdia da Póvoa de Varzim.
A nova igreja paroquial é também um resultado dos tempos novos que se viviam, que deram origem a reconstruções das velhas casas, com as suas grandes chaminés e com mais indicadores de abundância a que se alude noutro lugar.


Imagens de cima para baixo:
  • Igreja Paroquial de Balasar.
  • A talha da igreja de Balasar, de inspiração neoclássica,  assemelhava-se à de Beiriz e mais proximamente à da Misericórdia da Póvoa de Varzim.
  • Nota d’O Comércio em 19 de Setembro de 1907.
  • Capela-mor da mesma igreja (pormenor da imagem anterior). No sacrário vê-se o baldaquino que hoje está na Capela da Adoração do Santíssimo. Reparar ainda no painel do Bom Pastor.



[1] A igreja velha do Outeiro Maior, só desactivada nos anos setenta do século passado, também possuía uma pequena empena para os sinos. Mas havia torreões com dois sinos em Laundos, em Parada, em Rio Mau, nos Convento de S. Francisco de Vila do Conde e da Azurara. A antiga misericórdia da Póvoa também tinha dois sinos. O torreão de Rates é recente e veio substituir uma pesada torre que existia ao lado da igreja românica e que destoava do monumento.
[2] Citado de SOUTO, Manuel Fernando Faria Souto, “O Abade de Nabais e Rocha Peixoto”, Boletim Cultural Póvoa de Varzim, vol. 44, 2010, página 138.
[3] Consta que Manuel Joaquim de Almeida se terá aproveitado da posição política para adquirir de modo pouco transparente o terreno onde construiu a sua casa – a que fica imediatamente a poente do adro.
[4] Ignoramos a data da colocação da talha na igreja. Sabendo-se que ela tinha sido nacionalizada em 1911 ou 19122, não parece muito de crer que os balasarenses se dispusessem a investir nela mais dinheiro em data próxima, porém, também não parece que seja obra do tempo do P.e Manuel de Araújo. Pusemos a questão à D. Felismina Martins, mas ela não soube adiantar nada, o que sugere que na sua adolescência a talha já não era coisa nova, isto é, era do tempo do pároco anterior.